Gerardo Ferreira

Para o nordestino, o mês de junho traz imediatamente à mente da população a alegria das festas de Santo Antônio, São Pedro e São João. Com suas fogueiras, fogos de artifício, comidas típicas, dança de quadrilha e muita riqueza folclórica. Neste período, em âmbito nacional, desponta logo a figura de Luiz Gonzaga do Nascimento (13.12.1912 – 02.08.1989). O Rei do Baião é merecidamente lembrado pelo muito que criou em termos de musicalidade e pela grande influência que exerceu e continua exercendo sobre várias gerações de cantores, compositores e apreciadores da sua maneira peculiar de ver e cantar as coisas do sertão.
Já em âmbito local ou regional (zona norte), nesse período junino a figura de Gerardo Ferreira (foto) é a mais lembrada. O saudoso sanfoneiro representou, durante muitos anos, o que havia de melhor não só no que se refere à execução de música junina, mas na animação dos verdadeiros forrós por toda a região.
Filho de Manuela Fernandes de Quadro e do sanfoneiro Manuel Fernandes de Souza, o acordeonista nasceu em Crateús (CE) no dia 1º de março de 1923, sendo registrado com o nome de Gerardo Fernandes Souza. Frequentou a escola por pouquíssimo tempo, mas logo cedo se dedicou à arte musical, o que já fazia há mais de sessenta anos. Chegou a tocar violão e cavaquinho, mas confessava que seu xodó era mesmo a sanfona. Começou a tocar numa sanfoninha pequena e chegou a “arrastar” forró em 80 baixos.
Gerardo Ferreira relembrava que chegou a Sobral no ano de 1932. Com seu grupo “Gerardo Ferreira e seu Conjunto”, que existiu durante 56 anos, tocava baião, samba, marchas, frevo, xotes, choros, boleros, mambos e outros ritmos. O sanfoneiro animou festas em sertões, serras e em cidades, como Crateús, Ubajara, Tianguá, Parnaíba, Massapé, São Benedito, Fortaleza, Teresina e muitas outras. Também era muito requisitado para tocar em clubes sociais (e não) de Sobral e dos distritos. Fez, ainda, história nas campanhas políticas no tempo com sua famosa charanga.
Além de tocar ao lado de Luiz Gonzaga, Gerardo Ferreira também se apresentou com Zé Calixto, Abdias, Pedro Sertanejo, Dominguinhos e outros grandes astros da MPB. Certa ocasião, numa festa de São João em Sobral, na AABB, o Rei do Baião sentenciou: “Gerardo Ferreira, o som da tua sanfona é o som da minha sanfona branca. Você é o Rei da Quadrilha do Norte”. Empolgado, Gerardo Ferreira recordava: “O sucesso chegou a tanto que fui convidado para ir à Rádio Nacional, mas por problemas pessoais não pude chegar até lá”.
Desse período, o velho tocador, que nas horas vagas também era consertador de sanfonas, dono de fruteira e agricultor, lembrava com saudade os grandes amigos que com ele animaram a região: Pedro Lavandeira, Darley, Zé Café, Cossias, Zé Palha Braba, Deusdeth e muitos outros. Ficou eternamente gravada na lembrança de muita gente a figura de Gerardo Ferreira com a ponta de cigarro dependurada no lábio, cochilando com a sanfona no peito, mas fazendo a alegria de todos os brincantes.
Instigado a fazer um paralelo sobre as festas de ontem e de hoje, o grande tocador relembrou que antigamente era uma maravilha, porque as festas começavam às 18 ou 19h e terminavam no outro dia às 6 ou 7h da manhã. “A gente só fazia uma parada. O resto era como cantiga de grilo. Hoje as festas só vão começar às 23h e terminam às 3h da manhã. Assim não tem mais graça”, comentava Gerardo.
Era casado com dona Margarida Fernandes Araújo, com quem teve cinco filhos, dentre os quais, Rogério Ferreira se destaca como excelente zabumbeiro. Além dos aplausos, em vida, o músico teve o reconhecimento da Câmara Municipal pelo seu amor por Sobral e pelo trabalho que realizou durante décadas nesta região. Gerardo Ferreira foi agraciado com o Título de Cidadania sobralense através do Decreto Legislativo nº 095/02, de 23 de abril de 2002. A homenagem foi sugeria pelo então vereador José Luciano Ponte Linhares.
Nos últimos anos o velho tocador continuava trabalhando em seu barzinho na rua Joaquim Lopes,centro. Lá, sempre contava as histórias da sua vida na música aos amigos e fregueses que o visitam, Sempre concluía, afirmando: “Não esqueci nada, não. Com minha sanfona ainda faço uma quadrilha de São João… e daquelas!”.
Infelizmente a necessidade de preservar a memória de vultos ilustres e artistas da terra ainda não sensibilizou as autoridades que cuidam da cultura em Sobral. Prova disso é a falta de interesse da Prefeitura em criar um órgão que faça o registro fonográfico (gravar um CD) e visual daqueles que não dispõem de condições financeiras para fazê-lo por conta própria, como foi o caso de Gerardo Ferreira.
Ainda bem que há sobralense que tentam suprir essa lacuna, a exemplo de alguns comunicadores que conservam gravações de seus programas radiofônicos, como fez Artemísio da Costa. Dessa forma, o radialista possibilitou a gravação de um CD (caseiro) pelos familiares do sanfoneiro Gerardo Ferreira. Eis uma das razões pelas quais Artemísio da Costa tanto reivindica a fundação do Museu da Imagem e do Som de Sobral.
Gerardo Fernandes Souza, o sanfoneiro Gerardo Ferreira, faleceu em Sobral (CE) no dia 30 de dezembro de 2007, aos 85 anos. Acha-se sepultado no Cemitério São Francisco, no bairro do Junco, nesta cidade.
(Texto extraído da Coluna CANTINHO DA SAUDADR, de Thiago Alves)

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